Desde crianças, somos acostumados a ouvir fábulas, contos e outros “Era uma vez”. Cá entre nós, todo mundo gosta de ouvir uma história em que o personagem enfrenta diversos obstáculos até o final feliz, não é?. Porém, apenas uma história bem contada tem a capacidade de prender a atenção, criar identificação e empatia do ouvinte. E a habilidade de contar histórias que cativem o público tem até nome: é o storytelling.
Em uma era onde a atenção do consumidor está dividida em várias tarefas ao mesmo tempo, fazer com que ele pare e olhe para a mensagem da sua marca é um desafio. Afinal, hoje assistimos à TV enquanto navegamos pelo feed de uma rede social no celular e conversamos com terceiros pelo aplicativo de celular ou pessoalmente. E é neste momento que o storytelling se torna aliado de uma marca.
Uma boa história capta a atenção e tem o poder de unir marca e público, conectando emoções, gerando empatia e humanizando o relacionamento. Quando a empresa consegue gerar esse engajamento, o ouvinte deixa de ser um mero espectador, podendo se tornar um propagador da mensagem e até mesmo um consumidor fiel da marca.
Neste artigo, então, vamos explorar melhor o conceito e dar dicas para inspirar o seu negócio a contar boas histórias. Siga com a gente!
Jornada do herói
A essência do storytelling é a jornada do herói, ou seja, o caminho que o protagonista percorre até atingir seus objetivos. O conceito foi criado pelo estudioso norte-americano Joseph Campbell em 1949. Quando uma empresa deseja lançar uma campanha deste tipo, é preciso criar uma narrativa – ou contar uma história real – que tenha ao menos cinco etapas:
1- Introdução ao personagem: quem ele é, onde vive, quais são e como funcionam seus relacionamentos, rotina, entre outros aspectos da “vida comum”.
2- Separação do mundo (apresentação do problema): o problema do personagem é apresentado e ele é chamado para uma aventura a fim de encontrar a solução.
3- Amadurecimento e descoberta: o personagem encontra saídas para driblar as dificuldades e resolver a situação.
4- Retorno: depois de concluir sua missão, o herói volta para casa e reencontra amigos e familiares.
5- Mudança: embora ele esteja de volta, o herói não é mais o mesmo porque foi transformado durante a aventura.
Usando a ficção como exemplo, no filme Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001), o espectador descobre como é o dia a dia do personagem que vive com os tios (1), Harry é enviado para Hogwarts, onde se inicia uma série de acontecimentos que ameaçam a segurança da escola (2), ele e os amigos investigam, passam por obstáculos, chegam ao culpado e há um duelo (3). Por fim, todos ficam bem (4), mas seguem desconfiados com o possível retorno do Lorde das Trevas (5).
Storytelling na prática
Afinal, como isso pode ser usado pela minha marca? A estratégia é amplamente utilizada nas diversas campanhas das empresas. Costumam chamar mais atenção, contudo, quando a jornada do herói é mais detalhada – é preciso ter começo, meio e fim sem se tornar cansativo. Isso aumenta a identificação do público com a história e, consequentemente, a mensagem da marca.
Resumidamente, um bom storytelling deve incluir um bom contador de história (ou seja, quem irá narrar ou guiar a história), um tom de voz compatível com a mensagem, criatividade no formato e uma história que crie conexão. Uma pesquisa de 2022 da Lukso indicou que 97,6% dos entrevistados consideram que as histórias reais são as mais relevantes, incluindo vitórias e fracassos da marca.
O levantamento mostrou, ainda, que as histórias chamam mais a atenção dos consumidores são as inspiradoras (43,8%), as emocionantes (19,8%) e as informativas (13,0%). Vale lembrar que a identificação depende de inclusão e diversidade nas campanhas. E, segundo a pesquisa, mais da metade do público (65%) considera que o mercado ainda está distante da verdadeira representatividade.
A despedida da Kombi
Um exemplo é a campanha lançada pela Volkswagen em 2014, quando as últimas unidades da Kombi foram fabricadas. Em um vídeo de quase cinco minutos, a “senhora Kombi” narra sua história (introdução), mencionando sua criação e as aventuras que viveu ao longo de mais de seis décadas com diversas pessoas – por exemplo, uma família que viajou o mundo e uma mulher que nasceu em uma Kombi (exemplos de amadurecimento e descobertas).
A despedida inclui um testamento, em que a Kombi deixa seus bens para alguns fãs (mudança), e uma visita ao filho de seu criador, ou seja, seu “irmão” (retorno). Entretanto, a campanha não se resumiu apenas ao vídeo que arrancou sorrisos e até algumas lágrimas dos espectadores. Desde o anúncio do fim da produção do modelo, a montadora fez uma série de publicações online e offline, como uma peça que dizia “Vai aí a Kombi. Em breve, em nenhuma concessionária perto de você” e uma imagem com o testamento da “senhora Kombi”.
Natal da Coca-Cola
A estratégia da Coca-Cola em suas campanhas de Natal é um bom exemplo de como o storytelling pode definir o brand awareness. Tanto que a marca é considerada uma das responsáveis pela imagem do Papai Noel moderno, uma vez que estampou a campanha natalina da marca de refrigerantes ainda em 1930 e permanece até hoje em algumas ações nessa época do ano, como a carreata que percorre diversas cidades do país.
A marca também é conhecida pelas propagandas com ursos polares, onde os animais aparecem com algum problema que é subitamente resolvido com uma garrafa de Coca-cola. Porém, o storytelling também está presente nas propagandas com temáticas mais próximas à realidade.
Para o Natal de 2021, a Coca-Cola apostou no tema “O Natal se torna mágico quando estamos juntos”. O vídeo mostra a história de um menino e sua mãe que mudam para um apartamento novo às vésperas do Natal (introdução). Ao perceber que o local não tem lareira, o jovem começa a montar uma chaminé com caixas de papelão para que o Papai Noel possa deixar os presentes em sua casa (separação do mundo). A ação mobiliza todos os vizinhos, que se unem para concluir o projeto até o dia 24 de dezembro (amadurecimento e descoberta). Quando a “obra” termina, a chaminé acaba sendo usada para convidar uma vizinha idosa solitária para a ceia natalina dos moradores do prédio (retorno e mudança).
O Boticário
Outra marca que sempre opta pelo storytelling em suas campanhas sazonais é O Boticário. Uma das mais conhecidas foi a campanha de Dia dos Namorados de 2015, chamada “Toda forma de amor”. O comercial mostra pessoas entrando em lojas da marca, se arrumando e partindo para um encontro.
Em um primeiro momento, gera identificação porque mostra certo nervosismo e ansiedade dos envolvidos para encontrar a pessoa amada. O diferencial em relação aos tradicionais comerciais para a data foi a retratação de casais homoafetivos, até então, raros na publicidade brasileira.
Para o Natal de 2021, a empresa apostou no reencontro após quase dois anos de isolamento causado pela pandemia. O comercial retrata a solidão de quem ficou afastado da família no período e, por meio de imagens emocionantes que ocorreram durante a crise sanitária (introdução e separação do mundo), aponta para a esperança de um Natal onde as famílias puderam se reencontrar pessoalmente, se aproximando da realidade de muitas pessoas (retorno, amadurecimento e descoberta).
No fim, anuncia que criou um Centro de Pesquisas para auxiliar os indivíduos que perderam o olfato em razão da Covid-19, mostrando empatia por quem ficou com essa sequela e alinhando uma ação em prol da sociedade com um core business, já que trata-se de uma perfumaria (mudança).
Spotify
Embora não passe por todas as etapas da jornada do herói, o Spotify sabe como se conectar com os usuários utilizando técnicas de storytelling. Em 2017, a empresa espalhou outdoors pela cidade de Londres com o tema “Goals 2018” (Objetivos para 2018 em português), sugerindo resoluções para o novo ano com base nos dados coletados pela plataforma em 2017.
À época, o CMO Seth Farbman explicou que a estratégia tinha como objetivo se aproximar dos usuários com situações reais específicas ao invés de dizer apenas que essa ou aquela música tinha sido a mais escutada.
O resultado foi uma espécie de retrospectiva cômica e criativa, exibindo frases como “Seja tão amável quanto a pessoa que colocou 48 músicas do Ed Sheeran na sua playlist ‘Eu amo ruivos’” e “Seja significantemente menos bom em despedidas”, em alusão à música “Too Good At Goodbyes”, tocada quase 1 milhões de vezes só em Londres em 2017.
Brand storytelling
Outra maneira de conquistar a empatia do consumidor é o brand storytelling. Neste caso, a jornada do herói também é a base, porém, é usada não apenas nas campanhas, mas no desenvolvimento de toda a marca. Mostrar os desafios, obstáculos e vitórias humaniza a empresa, engajando os clientes e gerando conexão emocional. Neste caso, o mais importante é ser verdadeiro, apresentando marcos e acontecimentos reais.
O mais comum é que as empresas apresentem suas histórias no próprio site. Contudo, há maneiras mais atrativas de fazê-lo. Um exemplo é o Museu Fisher-Price, criado no Instagram pela marca de brinquedos em 2020. A empresa gere a conta como se fosse um museu virtual com todos os brinquedos que já lançou e marcaram a infância de várias gerações. A estratégia funciona tanto para manter uma linha do tempo atualizada quanto para envolver a audiência por meio de suas lembranças nostálgicas.
A Granado Pharmácias é um caso de brand storytelling consolidado. A empresa começou em 1870 com o cultivo de plantas medicinais e flores usadas como matéria-prima para a produção de águas de colônia. À época, os produtos faziam sucesso entre a nobreza do Rio de Janeiro e chegou a receber o título de “Pharmacia Oficial da Família Imperial Brasileira”. O tempo passou e a empresa chegou a ser a maior farmacêutica do Brasil.
Mesmo após o declínio causado pela hiperinflação e falta de investimentos na década de 1990, a venda a um empresário inglês e a modernização dos negócios, a companhia mantém sua história viva tanto na elaboração dos produtos – que remetem ao passado e ainda têm como base matérias-primas naturais –, quanto no design retrô de suas lojas, com móveis clássicos, quadros antigos e peças publicitárias originais do século passado.
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