O ano de 2022 mal começou (ao menos se considerarmos que ainda não passou o Carnaval 🙃) e já podemos discutir aqui um excelente case sobre a importância da reputação de uma marca. No fim de janeiro, o Spotify, uma das maiores plataformas de streaming do mundo, tornou-se o epicentro de uma crise envolvendo o apresentador de podcasts norte-americano Joe Rogan e o músico canadense Neil Young.
Em protesto contra o discurso antivacina de Rogan, Young, um dos guitarristas e compositores mais influentes dos anos 1970, declarou em carta aberta: “Quero todas as minhas músicas fora do Spotify. Eles podem ter Rogan ou Young. Não os dois”.
No entanto, o programa The Joe Rogan Experience não é um produto qualquer. No ar desde 2009, é um dos podcasts mais ouvidos do mundo, e desde 2020 é um produto exclusivo da plataforma de streaming sueca, depois de um acordo que custou à empresa US$ 100 milhões.
O apresentador já tem um histórico de controvérsias, mas enfureceu Neil Young (e muitos outros) ao dizer, em um dos programas mais recentes, que jovens saudáveis não deveriam ser vacinados contra a Covid-19. Também elogiou a ivermectina, um medicamento usado contra parasitas em animais e humanos, e que não tem benefícios antivirais comprovados.
Diante do dilema, o Spotify fez a escolha que parecia fazer sentido financeiramente: escolheu ficar com seu contratado, Rogan, e tirou Young do seu catálogo. Do ponto de vista financeiro, é fácil entender por quê. Enquanto Young tem um pouco mais de 6 milhões de ouvintes mensais, o programa The Joe Rogan Experience chega a 11 milhões de ouvintes por episódio, e lança dois programas por semana.
Mas a escolha não foi estratégica e acabou por ter consequências imprevistas. Após a retirada das músicas de Young, outros artistas seguiram o movimento e decidiram deixar a plataforma de streaming, a exemplo de seus contemporâneos Joni Mitchell e Graham Nash, além de outros podcasts como o brasileiro Pura Neurose, criado pelo comediante Ronald Rios.
Os consumidores também reagiram ao que chamaram de apoio da plataforma à desinformação. Em todas as redes sociais, houve campanhas para que as pessoas deixassem de assinar o serviço. No Google Trends, a busca por termos como “cancelar Spotify” (em inglês cancel Spotify) aumentou 488% entre 16 e 30 de janeiro de 2022.
O resultado? Uma perda no valor de mercado do Spotify (ou seja, em quanto a empresa vale na Bolsa de Valores) de US$ 2 bilhões (ou R$ 11 bilhões), muito mais caro que o contrato com Rogan, e um dano inestimável na reputação da companhia.
Em meio à crise, em fevereiro, o Spotify por fim decidiu retirar do ar mais 100 episódios do apresentador, incluindo alguns cujo conteúdo incluía termos racistas. Outros 20 mil episódios de outros podcasts, que continham desinformação sobre a pandemia, política e outros assuntos, também foram deletados.
A empresa ainda criou regras internas sobre a remoção de conteúdo de áudio, e adicionou um aviso ao público em todos os podcasts que discutem a pandemia. Além disso, prometeu investir US$ 100 milhões em conteúdo de áudio de grupos historicamente marginalizados.
E para outras marcas, o que o episódio ensina? A seguir, compartilhamos algumas reflexões para que o caso ajude o seu negócio a não errar!
- Lembre-se que, além de oferecer serviços ou produtos, você está vendendo sua imagem, que deve transmitir confiabilidade e construir uma boa reputação. Por isso, analisar uma questão levando em consideração todos os pontos de atenção (e não apenas o que está gerando receita ou atenção) é essencial para tomar a decisão correta. Na era ESG, em que os consumidores levam em consideração também aquilo em que a marca acredita e defende, pensar apenas em termos financeiros é um erro estratégico grave.
- Falem mal, mas falem de mim? Pois é, o ditado popular nem sempre se comprova no dia a dia. A estratégia do Spotify, apostou na audiência e alcance do polêmico programa, e o manteve no ar como um produto exclusivo. Mas, nem todos os negócios têm a receita e o tamanho do Spotify, e uma crise de imagem pode ser fatal. Se ela for inevitável, tenha em mente que se comunicar com a audiência assim que um problema acontece e explicar os acontecimentos e seu posicionamento a respeito do tema é fundamental para se recuperar dela.
- Escolha bem seus embaixadores de marca. Afinal de contas, é impossível deter controle total sobre o que eles vão dizer. Reduza as possibilidades de ver seu negócio envolvido em polêmicas ao avaliar com muita atenção quem falará em nome de seu negócio – e tenha muito cuidado também com o que você mesmo vai dizer. Um outro exemplo, também já em 2022, ilustra bem o problema: o apresentador Monark, do podcast brasileiro Flow, sofreu duras críticas após um comentário sobre o nazismo e terminou demitido de sua própria empresa.
- Ao aceitar riscos, esteja ciente das possíveis consequências. Em fevereiro de 2022, 270 médicos e educadores científicos assinaram uma carta aberta pedindo que o Spotify retirasse do ar as alegações infundadas de Rogan. Gerar audiência ou chamar a atenção dos consumidores não podem ser razões para qualquer tipo de informação, principalmente falsas ou ambíguas. Não se trata de opinião quando o que você está veiculando pode colocar a vida de outras pessoas em risco.
- Outras marcas podem usar uma polêmica envolvendo seu nome e aproveitar para oferecer melhor atendimento, informações ou serviços. Por isso, é importante manter uma escuta ativa nas redes sociais para saber o que seu público está pedindo, e o que sua concorrência está oferecendo. Manter esse hábito é fundamental para saber como agir em momentos de emergência ou imprevistos.
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